Eis mais um texto encantador de Isabel Minhós Martins, poeticamente pessoano na forma delicada como aborda a “espantosa realidade das coisas”. A voz de quem escreve é a voz de quem conta, em partes e apartes. É a voz que partilha e que ensina a olhar, a sentir e a pensar. É a voz de quem empenhadamente se entrega às narradas tentativas de dar resposta, por intermédio de exemplos retirados de situações quotidianas palpáveis e de fenómenos naturais, a uma das ancestrais interrogações humanas: “para onde vamos quando desaparecemos?”. Podemos dizer que esta é uma daquelas perguntas com tantas perguntas dentro que julgamos nunca dela conseguir sair. E todas as interrogações adjacentes, sem exceções, se nos impõem difíceis na sua infantil essencialidade. Para onde irá o barulho quando desaparece? “E para onde vai toda a gente quando a noite cai?”
Tudo importa neste álbum ilustrado (apesar da solução algo infeliz de lettering da capa). Encetamos um caminho de busca, convidados-ouvintes-leitores de olhar atento e assombrado, pela voz da escrita de Isabel Minhós Martins, devidamente acompanhada pela inteligência e sereno equilíbrio, por vezes minimal e surpreendente, do traço e cores da ilustradora Madalena Matoso. Há neste álbum espaço para dizer (e até escrever) o que pensamos. Entre a sólida geometricalidade e discreta paleta cromática das imagens, há nele espaço para respirar, ler, ouvir e imaginar.
Há neste livro espaço que chegue para a ele acrescentarmos as outras, as nossas, as novas, as mais inesperadas interrogações. Podemos elencar hipóteses, desbravar conceitos, propor soluções. Será a filosófica reflexão sobre a morte mais ou menos interessante do que o não menos filosófico mistério das meias desaparecidas?
Quando o texto termina, “em menos de nada”, as guardas prolongam o caminho da busca: o traço negro contínuo que percorre, quase ininterruptamente todas as páginas do livro, desde as guardas iniciais, espraia-se ainda, entre troncos de árvores negras, perspetivando-se o percurso para além do horizonte.
Não há dúvida de que este ”Para onde vamos quando desaparecemos?” foi escrito por uma das autoras de referência do atual panorama literário infantojuvenil português. Mas as perguntas são as da humanidade. São as de tantas crianças. A elas acrescentamos algumas das respostas de crianças que nos deixaram a pensar, muito para além do livro: “Morrer é desaparecer para começar tudo outra vez”; “Morrer é ficar outra coisa de repente”; “Morrer é ir para onde vai o escuro”.
livro “Para onde vamos quando desaparecemos?”, de Isabel Minhós Martins [texto] e Madalena Matoso [ilustrações]
Planeta Tangerina, 2011
[a partir dos 4 anos]
Paula Pina