“De jueves a domingo”, de Dominga Sotomayor

 

“De jueves a domingo” é, antes de mais, uma cândida e subtil meditação sobre o tempo, minuciosa e metaforicamente ancorada na infância. É, igualmente, uma inteligente decomposição da sintaxe cinematográfica, de um zelo quase imprudente na combinação e evocação inicial de elementares modelos narrativos, mas de uma resoluta frustração final dos seus mais previsíveis códigos. Trata-se, à partida, de um road movie com os seus preceitos e procedimentos: uma família chilena (pai, mãe e dois filhos – Manuel, de sete anos, e Lucía, de dez) parte numa longa viagem de fim de semana seguindo um impulso de simultâneas evasão e analepse. E porque cedo se evidencia que o casal está em crise, as suas promessas são uma ilusão (o pai fala à filha de um terreno em que poderiam construir uma casa, ao mesmo tempo que, com a mulher, discute a hipótese de ir viver sozinho para um apartamento) e logo se estabelece um alegórico paralelismo entre paisagem – deixou-se a cidade rumo ao deserto – e estados de espírito. O dispositivo é eminentemente cinéfilo (de “Stromboli” a “Teorema” a “Paris, Texas”, etc.) mas, aqui, tornado progressivamente acessório. Também porque há um espaço de maior importância na ação (a carrinha em que se deslocam, como um símbolo de intimidade e união que a inevitável e simbólica distância entre bancos da frente e de trás vai desfazendo), mas, fundamentalmente, porque o seu essencial instrumento dramatúrgico é o olhar das crianças. Nessa perspetiva, o rosto de Lucía (Santi Ahumada) é ao longo do filme um veículo de múltiplas expetativas, incompreensões e ambiguidades. E, também ele (como a própria carrinha, o guarda roupa, a banda sonora ou os idílicos locais de paragem no caminho), um meio de relativização temporal e o palco para uma impossível suspensão: da felicidade, da coesão familiar, da inocência. Na sensível gestão da sua leitura, traduz-se um gesto de infinita ternura e fidelidade de Dominga Sotomayor: a expressão da realizadora como a derradeira constante a que sua a atriz se pode agarrar.

 

 

27 + 30 abril, 9.30 pm
filme “De jueves a domingo”, de Dominga Sotomayor, com Paola Giannini, Francisco Pérez-Bannen, Santi Ahumada,…
Indie Lisboa ’12
Cinema Londres, Lisboa
[a partir dos 12 anos]

 

João Santos

Advertisement

Leave a comment

Filed under Cinema

Leave a Reply

Fill in your details below or click an icon to log in:

WordPress.com Logo

You are commenting using your WordPress.com account. Log Out /  Change )

Twitter picture

You are commenting using your Twitter account. Log Out /  Change )

Facebook photo

You are commenting using your Facebook account. Log Out /  Change )

Connecting to %s