Em causa estão as atribulações da produção de “Mary Poppins” (1964), opondo o conceito de espetáculo do próprio Disney ao purismo conceptual de que P. L. Travers, autora dos livros, não queria abdicar. De qualquer modo, para além (ou através) desse confronto de Continue reading →
E se as suas personagens de eleição da Disney se transformassem subitamente em jovens universitários? Inspirado pelo filme “Monstros – A universidade”, estreado há poucos dias em Portugal, o artista digital espanhol Rubén Barriga, conhecido no universo “deviant” da Continue reading →
É um dos clássicos absolutos da história do cinema infantil e uma das mais inesquecíveis produções dos estúdios de Walt Disney. Estreado em 1955, o original “Lady and the tramp” contava, porém, já com um período superior a duas décadas de trabalhos, desde que, em 1930, Joe Grant lançou uma ideia baseada num episódio familiar: transpor para a sétima arte a Continue reading →
Foi no dia 29 de janeiro de 1959 que estreou “Sleeping beauty”, realizado por Clyde Geronimi, resultado de um trabalho que durou quase uma década a ser concluído e que para os estúdios da Disney, apesar do fracasso de bilheteira, viria a encerrá-la com chave de ouro. Não obstante o enredo básico reinventado e a presença de uma princesa que pouco mais é que uma presença abonecada e Continue reading →
Li recentemente um artigo sobre a relação entre programas televisivos e violência infantil e juvenil. Nesse artigo fazia-se um resumo das principais linhas de investigação acerca do tema e debatia-se, sumariamente, o resultado de diversas experiências, conduzidas um pouco por todo o mundo, quer em laboratórios bem apetrechados e por equipas constituídas por cientistas afamados, quer em humildes comunidades esquecidas, lideradas por jovens aspirantes a investigadores. Embora inconclusivo, porque inconclusivos ou discutíveis foram também os relatórios das experiências, o artigo referia, de passagem, um estudo laboratorial em particular, desenvolvido em 1956, com uma amostra de 24 crianças. O grupo foi dividido em dois: 12 crianças visualizaram um episódio de Woody Woodpecker, o famoso Pica-Pau criado em 1940 por Walter Lantz; as outras 12 viram um episódio de “The little red hen” (“A pequena galinha ruiva”).
Ora, se a memória me não atraiçoa, “The little red hen” é uma pequena fábula, de origem russa muito provavelmente, e com intuitos moralizantes óbvios: a galinha pede ajuda a vários animais para plantar o milho, colher, moer e fazer o pão e os bolos, mas todos se recusam, de forma mais ou menos descarada, e recorrendo a desculpas tolas. Claro que, depois do trabalho feito, estão todos prontos para participar do banquete. A galinha recusa-se então a partilhar os resultados do seu esforço e castiga a falta de solidariedade e de ajuda, alimentando orgulhosamente apenas os seus pintainhos. Na versão da Disney, “The wise little hen”, com a presença de um Pato Donald estreante, surge uma mesa coberta de delícias feitas de milho e fabulosas maçarocas (sim, também há uns pontapés, mas nada por aí além…).
Por outro lado, se bem me lembro, Woody Woodpecker era uma personagem bizarra, de raça indefinida e de sucesso inesperado junto das audiências. Era uma ave de poupa vermelha e corpo azul (variáveis), dona de uma mente tresloucada (sempre) e uma personalidade bem disposta, dotada de uma energia histérica e com um riso absolutamente singular (ainda que com vozes variáveis). Claro que o estereótipo da época se fazia sentir nos gags alucinantes, desde os nomes das restantes personagens à fisicalidade absurda das suas iniciativas, passando pelas paródias e autoreferências.
Curiosamente, o que sempre me fascinou no Woody Woodpecker nada tinha a ver com a violência dos gestos. Nada tinha a ver com a comicidade das situações. O que mais admirava era as maravilhosamente pictóricas e psicadélicas explosões de cor, irradiando do ecrã após explosões, pancadas, choques, entaladelas, apertões, pontapés e outras torturas, em imagens que sempre me pareceram quadros abstratos em movimento; a música, claro, a banda sonora; e a voz estranha, às vezes meio masculina e outras feminina, do Pica-Pau, e o seu inesquecível riso em staccattos diafragmais (que eu secretamente treinava). Relembremos a primeira aparição pública de Woody Woodpecker, em novembro de 1940, num episódio da série “Andy Panda”:
Depois de ler o artigo, confesso, fiquei um bocadinho apoquentada. Tanta violência televisiva que digerimos na infância, sem qualquer tipo de controlo parental ou escolar, deve ter afetado, senão grave, pelo menos parcialmente, o nosso desenvolvimento cognitivo, psicológico, afectivo, relacional, social. Foram tantas as marteladas a que assisti nessa época, que, certamente, num destes dias, acordarei enfiada num colete de forças. Só desejo que as gargalhadas de loucura que vier a soltar sejam parecidas com as do Woody Woodpecker…
dvd’s “As aventuras de Pica-Pau” (“The Woody Woodpecker show”)
Público, 2011
[a partir dos 6 anos]
Quando Rossini compôs a abertura de “Guillaume Tell”, estreada a 3 de agosto de 1829, em Paris, não pensou certamente no destino que a esperava. Baseada numa lenda suíça, esta ópera, com libreto de Étienne de Jouy e de Hippolyte-Louis-Florent Bis (a partir de um texto de Friedrich Schiller), e em particular a sua abertura, evoca hoje outras heranças. Muitos associam ainda Wilhelm Tell ao episódio do herói caçador que, em ato de rebelião contra um tirano, acaba por ser obrigado a acertar numa maçã pousada na cabeça do filho com o seu arco e flecha. Todavia, a popularidade com que a obra é recorrentemente citada, como é o caso da sinfonia n.º 5 de Shostakovich, acabou por transformá-la num marco parodístico. Por outro lado, a utilização no cinema de animação, precisamente pela sua dimensão impressionista e carga imagética, torna-a na banda sonora ideal para tempestades, auroras e cavalgadas.
Para os fãs de Walt Disney, recordemos o Mickey maestro, em 1935, dirigindo a abertura em “The band concert”. Num concerto ao ar livre, encontramos um esforçado regente que tenta conferir seriedade e rigor interpretativo a uma performance que acaba por resultar numa deliciosa mistura de estilos e ritmos, num jogo em que o cómico de situação e de personagem é adjuvado pelas múltiplas e divertidas incongruências técnicas (como por exemplo os posicionamentos incorretos e/ou impossíveis dos instrumentos), e pelas citações e transições musicais inesperadas. Um dos momentos altos do filme sublinha as semelhanças pontuais entre uma secção da melodia de Rossini e uma canção popular americana, “Turkey in a straw”, usada por músicos ambulantes e vendedores de gelados desde meados de 1820-30. Na verdade, quando o vendedor de gelados Pato Donald, com coerência e hercúlea determinação, toca “Turkey in a straw” no seu pífaro (melhor, nos seus pífaros em permanente reprodução), toda a orquestra o segue sem hesitação. Uns minutos mais tarde, os movimentos corporais do rato Mickey, tentando livrar-se do incómodo que será ter uma bola de gelado a escorrer pelas costas abaixo, suscitam, por parte da orquestra, a transição imediata para um estilo dança do ventre.
Diz-se que o maestro Arturo Toscanini, quando viu o filme pela primeira vez, gostou tanto que saltou de rompante para a zona técnica, pedindo a um projecionista perplexo que o voltasse a passar.
E para os fãs da banda desenhada, que vibram ainda com as memórias da cavalgada de “The lone ranger”, o Mascarilha, no seu cavalo branco, Silver, no genérico das séries, em filme e em desenhos animados que passaram na RTP, aqui temos novamente Rossini:
Aguardamos agora que, na senda de “Os piratas das Caraíbas”, e também com realização de Gore Verbinsky, Johnny Depp encarne Tonto, o índio amigo e companheiro de Lone Ranger, no combate à injustiça e aos fora da lei. Com um pouco de sorte, talvez o nome de Rossini continue a figurar na ficha técnica.