Sazonalmente, convidaremos um ilustrador com obra particularmente louvável na área infantojuvenil para rever o essencial do seu trabalho publicado até à atualidade. Uma vez por semana, esse criador responderá a uma pergunta do Cria Cria e, em paralelo, selecionará e comentará uma ilustração do seu espólio que, por um motivo ou por outro, queira destacar.
Para inaugurar este ciclo e trazer um pouco do seu estilo a este verão de 2011, temos recebido Marta Madureira, autora com dezenas de livros publicados e ilustrações espalhadas por diversas revistas e outros suportes. Dona de uma marca formal inconfundível, Marta Madureira tem cerca de uma década de trabalho que merece toda a nossa admiração e carinho. Um corpo de trabalho para conhecer melhor aqui no blogue até ao fim desta estação…
Cria Cria: Imagina-se a fazer o que faz agora para sempre? Se não, o que é que pensa que estará a fazer daqui a 20 ou 30 anos? Que objetivos ainda pretende atingir na sua carreira? Se pudesse formular um desejo profissional, qual seria?
Marta Madureira: Este tipo de perguntas são sempre as mais difíceis, porque tenho, confesso, uma grande incapacidade de pensar a longo prazo. Ainda que tenha investido desde sempre esforço e trabalho nesta área, sinto, com toda a honestidade, que sou uma pessoa de sorte. As coisas sempre foram acontecendo naturalmente, sem grandes planos, e, na maioria dos casos, da melhor forma possível. Penso quase sempre a curto prazo, talvez porque tenha quase constantemente muito trabalho em mãos, o que me leva a organizar o tempo em metas curtas.
Mas em resposta às perguntas, sim, imagino-me a fazer o que faço hoje daqui a uns largos anos, e tenho até a esperança que isso aconteça. Não da mesma maneira que faço hoje, mas de uma forma melhorada, ampliada e reformulada, refletindo algum crescimento e maturidade que, espero, venham a acontecer. Embora não faça planos futuros muito alargados, consigo focar-me na principal direção a seguir. Mas nem sempre foi assim. Desde que descobri a ilustração, senti-me seduzida. Mas no início, e ainda em contexto académico, sentia-me desconfortável com esse rótulo. Lembro-me de, no último ano de faculdade, na apresentação do esboço do projeto final, uma professora ter dito: “a Marta fará, claro, um projeto de ilustração”. Naquela altura, não fiquei nada satisfeita. Ora essa, eu era uma futura designer! Agora com a distância de uns anos, reconheço uma série de preconceitos que ainda havia de resolver, nomeadamente o facto de ter estado antes num curso de pintura e me querer afirmar, na altura, como designer.
Depois de acabar a faculdade, fiz alguma resistência à ilustração e comecei a trabalhar em gabinetes de design. E, mais ou menos dois anos depois, comecei a sentir, mais a sério, a falta de um contacto próximo com a área. Nessa altura tentei conciliar o trabalho do dia a dia com trabalhos paralelos de ilustração, para pequenos projetos coletivos e algumas exposições. Quanto mais produzia, melhor percebia que essa era, exatamente, a minha mais valia, onde eu me conseguia distinguir, enquanto autora, dos outros trabalhos que fazia. Não deixava de ser designer, mas tinha a vantagem de também saber ilustrar. Ajudou igualmente perceber que os amigos de faculdade, também eles, se estavam a especializar em diversas áreas do design, uns no campo editorial, outros na identidade, na tipografia, na multimedia, etc. Isso fez-me sentir mais confortável e reconciliar com o estatuto de ilustradora.
De volta à questão, embora não viva preocupada com uma visão alargada do futuro, claro que há coisas que me obrigam a pensar mais a longo prazo. A minha editora com a Adélia Carvalho, a Tcharan, por exemplo, é um projeto a longo prazo que é pensado enquanto objetivo de vida. Por isso trabalhamos, as duas, para um futuro imediato, que nos permita construir e delinear um futuro perdurável. Assim como a minha atividade enquanto professora, na qual tenho feito uma série de investimentos, que só fazem sentido porque me revejo nela nos anos futuros. Um outro projeto a continuar, em conjunto com o Pedro Mota Teixeira, é a série de animação “As máquinas de Maria”, que, depois de passar em televisão, tem já pensada uma série de extensões possíveis.
Os desejos são sempre muitos. Mas muitas das coisas que sempre desejei já se foram concretizando, como é trabalhar entre amigos e fazer o que realmente gosto. Todos os outros grandes desejos passam por continuar esta boa fase e esperar que mais coisas boas aconteçam. Há, depois, desejos mais específicos e a curto prazo, não menos importantes, como por exemplo conseguir acabar a tempo tudo o que me propus fazer até ao final do ano.

ilustração originalmente publicada no projeto Munstruos, na revista Interact (2009)
Marta Madureira: Umas coisas nascem das outras, e comigo a ilustração foi acontecendo assim. Uns trabalhos dão lugar a outros, que se vão transformando noutros. E o resultado é a progressão de um trabalho global que reflete o anterior e que transporta algo mais para o trabalho que se segue. Este projeto, o Munstruos, surge de uma parceria com o Pedro Amado em 2009, a pedido da revista Interact e parte desse mesmo princípio da transformação, da apropriação de caraterísticas do que já existe. O resultado final tem a forma de uma aplicação em Processing (uma linguagem de programação) que cria personagens pela mistura selvagem e aleatória dos seus progenitores. As figuras dos lados são o “pai” e a “mãe”, e a do meio é o “filho”, resultado dessa fusão.
“A incerteza do resultado é provocada pela aleatoriedade da aplicação, que determina números e valores, aos quais se liga uma probabilidade fisionómica mais ou menos plausível. A escolha é aleatória e incentiva a conceção de um ser selvagem, no sentido em que nasce sem cuidado especial.” O utilizador é convidado a interagir com a aplicação, determinando a influência dos progenitores na imagem gerada. A explicação do projeto pode ser vista aqui (no painel “Laboratório”, à direita); e a aplicação aqui (há que ter paciência, porque a aplicação demora algum tempo a carregar). No final da experiência, nasce uma ilustração e uma criatura imprevista.