“Nas prateleiras estavam os livros, encadernados num material cartonado e pálido como a pele humana tisnada e os manuscritos conservavam-se intactos. Apesar de fechado durante tantos anos, o ar parecia mais puro do que no resto da casa. Era tudo tão recente que, algumas semanas depois, quando Úrsula entrou no quarto com um balde de água e uma escova para lavar o chão, não teve nada que fazer. Aureliano Segundo estava absorto na leitura de um livro. Ainda que estivesse sem capa e não se visse o título em nenhum sítio, o garoto divertia-se com a história de uma mulher que se sentava à mesa e só comia grãos de arroz que prendia com alfinetes e com a história do pescador que pediu emprestado ao vizinho um chumbo para a sua rede e o peixe com que mais tarde o recompensou tinha um diamante no estômago, e com a lâmpada que satisfazia os desejos e os tapetes voadores. Assombrado, perguntou a Úrsula se tudo aquilo era verdade, e ela respondeu-lhe que sim, que há muitos, muitos anos, os ciganos iam a Macondo e levavam lâmpadas maravilhosas e tapetes voadores.
– O que acontece – suspirou – é que o mundo está a acabar a pouco e pouco e já não aparecem essas coisas.”
[Gabriel García Márquez, in “Cem anos de solidão” (“Cien años de soledad”), 1967]