É o segundo volume da Coleção de Cantos Redondos da Planeta Tangerina. Depois do sucesso de “O que há?”, também da dupla Isabel Minhós Martins e Madalena Matoso, e poucas semanas antes do seu terceiro título, “Uma onda pequenina”, que terá texto da mesma escritora e ilustrações de Yara Kono, podemos afirmar que a aventura e o risco de criar em papel – no cartonado tradicional e ecológico, sem cortes e recortes, sem texturas, pop-ups ou outros artifícios, e com recurso a uma paleta mínima de cores – um objeto livro, verdadeiramente interativo, com tanto de exigente como de surpreendente, pode obrigar o leitor mais desprevenido a precaver-se contra o vício de jogar com os livros desta série.
Dirão alguns que qualquer leitor apaixonado consegue ouvir as vozes dos livros, os seus cantos e os seus gritos, os seus segredos e suspiros. Conhecedoras destes sortilégios, criadoras inconfundíveis nos seus esforços, persistência, ousadia e talento, Isabel Minhós Martins e Madalena Matoso não hesitam e lançam o desafio desde logo, na imediatez do título que escolhem: “Este livro está a chamar-te” – sim, “este livro”, não outro qualquer, não apenas, mas também; ele está a chamar por ti (e chama por um “tu” definitivo e concreto). A afirmação-apelo, que causará no incauto destinatário-potencial-leitor alguma perplexidade, é acentuada pela bondosamente maquiavélica ou já meio impaciente interrogação entre parênteses: “(não ouves?)”. O leitor-narratário não tem hipótese – o apelo é irresistível. E agora só apetece colocar o livro ao peito, completando com a nossa cabeça e pernas o tronco da figura da capa.
É difícil encontrarmos uma voz que narra, que acompanha, guia, interroga, aconselha, sugere e antecipa, mas que vibra tanto quanto é possível misturar narrador com leitor, em laços e enlaces, em apartes e exclamações, num júbilo de escrita criadora que é, simultaneamente, júbilo, pleno e genuíno, de escrita leitora. Temo-la aqui, uma vez mais.
O reiteradamente glosado tema da “minhoca” (lagarta, bicho, verme) da maçã, ganha aqui nova roupagem, numa abordagem ousada, minimal até, que aponta novas opções de leitura e propõe outras técnicas. O final promete uma ligação simbólica: com o “at”, também conhecido como arroba, símbolo outrora obsoleto, reinventado num passado não muito distante, e que agora nos liga a todos. Biologia, robótica, design, forma gráfica básica, elemento didático, rima infantil, natureza, livro e ecrã, passado, presente e futuro, apelam aos sentidos múltiplos de decifração pré-leitora e leitora numa obra para pensar e interagir. Não chega ler com os olhos, folhear com os dedos. É preciso: digitar, carregar, tamborilar, saltitar, observar, ouvir, cheirar, soprar, caminhar, espreitar, aconchegar. E funciona: para quem joga “cobra” no telemóvel e passa a vida a enviar emails, para quem reconhece as reminiscências de Iela Mari ou de Hervé Tullet; para quem uma página em branco e preto é tão maravilhosa quanto outra multicolor; para quem se deixa cativar pela sinalética, pelos padrões e carimbos; para quem o esborratado aqui e o imperfeito ali são inteligência e delicada arte, esta obra oferece inspiração, desafio e ironia.
Ainda bem que do lado da Planeta Tangerina há sempre alguém que chama por nós.
Paula Pina
livro “Este livro está a chamar-te (não ouves?)”, de Isabel Minhós Martins [texto] e Madalena Matoso [ilustrações]
Planeta Tangerina, 2013
[a partir dos 2 anos]
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