Ir à escola

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As crianças, meninos e meninas, corriam pelo pátio, alheias a cortes, medidas, pressões e reivindicações; chamavam-se aos gritos, ignorando agendas e reordenações, redes e autonomias; olhavam-se com a alegria do reencontro, sem sequer pensarem que mais não seriam do que números e nomes de quadros, gráficos e grelhas; detinham-se e exploravam tufos de erva mal cuidada e restos de obras infindáveis (que não resolvem nunca a degradação e as infiltrações, o frio do inverno e o sufoco do verão, as fugas de gás ou de água), sem qualquer noção dos despedimentos e do número insuficiente de funcionários; espreitavam-se entre as colunas sem saberem que eram alvo de atos legislativos e normativas unidirecionais e unilaterais; acumulavam nos bolsos pequenos tesouros de pedras, tampas, pedacinhos de brinquedos irreconhecíveis, indiferentes a teorias, modelos e metas; davam as mãos e andavam como se a liberdade de ali estarem bem fosse um direito, puro e inalienável.

 

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A professora chegou, atrasada (vem de muito longe, apanha dois autocarros e o metro), cansada, encolhida debaixo de um casaco negro. Trazia um livro debaixo do braço. Sorriu e tocou ao de leve na cabeça das crianças que foram ao seu encontro, saltitando, recolhendo as mochilas deixadas ao acaso pelos cantos. Depois, formaram uma fila, aos pares, com a simplicidade ordeira do contentamento, e seguiram a professora até à sala. Este é o primeiro dia de aulas de um novo ano, tempo de recomeço.

 

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Em 2012, outras, muitas (demasiadas), crianças lutaram diariamente pelo direito de ir à escola. As crianças da aldeia angolana de Cayove percorreram a pé 30 quilómetros; outras atravessaram trilhos montanhosos, aos pares ou trios, montadas em cima de burros ou de motos improvisadas. A brasileira Erica acorda às 2:40 da madrugada, anda um quilómetro para apanhar depois um velho autocarro, num percurso noturno de três horas até à escola. A portuguesa Maria trabalha em casa com os pais, cosendo sapatos. Deixou de estudar assim que completou o 9º ano, e queria ser dentista. O irmão mais velho, de 17 anos, trabalhou com os pais desde os seis e agora “anda emigrado”, com um tio, “mas tinha queda para os estudos”. Há também aquelas crianças indonésias que decidiram arriscar todos os dias a vida sobre os destroços de uma ponte danificada pelas cheias, agarradas a arames, sabendo que um pé mal colocado ou uma mão escorregadia as lançaria na corrente impiedosa.

 

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Temos ainda Malala, paquistanesa, de 14 anos. No seu diário, escrito aos 11 anos, podemos ler: “Tive ontem um sonho terrível com helicópteros militares e os talibã. Tenho tido estes sonhos desde que lançaram a operação militar (…). A minha mãe fez-me o pequeno almoço, e eu saí para ir à escola. Eu tinha medo de ir à escola porque os talibã publicaram um edital proibindo as raparigas de ir à escola. Só 11 das 27 estudantes vão às aulas. O número diminuiu ainda mais por causa do edital.” Não, não se trata de um sonho. Malala Yousafzai foi de facto atacada em outubro passado, e ficou gravemente ferida: dois homens entraram no autocarro escolar e disparam-lhe uma bala na cabeça. Sobreviveu, mas foi ameaçada publicamente pelo porta voz talibã, que reclamou a autoria do ato. Estas crianças, meninas, são ameaçadas de morte, sofrem ataques com ácido, são bombardeadas por granadas e envenenadas. A escola pública e gratuita que tentam frequentar tem muros altos em volta e os guardas arriscam diariamente a vida servindo-lhes de cobaias, provando a água do poço e verificando a presença de gás.

 

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“Se eles vierem para me matar, dir-lhes-ei que o que estão a tentar fazer é errado, que a educação é o nosso direito básico.” A jovem Malala, internada num hospital inglês, recomeçou agora a andar, a ler e a escrever. Tem só 14 anos e tem razão – a educação é o nosso direito básico e nenhuma outra política poderá promover a saúde, diminuir a mortalidade infantil e aumentar a produtividade económica.

Para quem ainda não fez a lista de resoluções de ano novo, recomendamos que acrescentem as coisas mais importantes que podem fazer para mudar o mundo: lutar pelo direito à educação em liberdade e educar uma criança em liberdade.

 

Paula Pina

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