Ursos de peluche há-os um pouco por todo lado – quer nas tradicionais formas de urso, quer desafiando os mais pós-modernos bestiários; com ou sem adereços; comestíveis e natalícios, em montras iluminadas ou perdidos debaixo da cama; nos aeroportos de todo o mundo e em vendas de caridade; em joias elegantes ou esfiapados, esburacados, sem orelhas, só com um olho; gigantes, grandes, médios, pequenos, muito pequenos, em caixas ou amontoados em carrinhos metálicos; artesanais, ecológicos, industriais ou de etiqueta chinesa, são canções e personagens de contos ancestrais e de livros atuais, são estrelas vintage de cinema e de televisão, surgem nas notícias mais chocantes e nos cartazes das grandes produções fílmicas do ano.
Meio brinquedo, meio símbolo social ou fetiche, o Teddy Bear (o do presidente Theodore Roosevelt e/ou o de origem alemã) ecoa em quase todas as partituras relacionais após o boom de 1900, ligando universos, adultos e crianças. As senhoras elegantes não saiam de casa sem ele; as crianças faziam-se sempre fotografar com um.
Pensemos em Christopher Robin Milne, com o seu urso marca Farnell, prenda de aniversário em 1921, que viriam a tornar-se protagonistas famosos da série Winnie The Pooh, nos livros de A. A. Milne.
Companheiro inseparável de Mr. Bean e elemento indispensável na composição da personagem icónica de Sebastian – no romance de Evelyn Waugh e na série televisiva (o Aloysius, de “Brideshead revisited”) -, tal como o foi na realidade para a fonte de inspiração de Waugh, o poeta laureado John Betjeman (1906-1984), que chegava a Oxford acompanhado pelo seu urso, Archibald Ormsby-Gore, e pelo seu elefante, Jumbo.
“Childhood is measured out by sounds and smells and sights, before the dark hour of reason grows” (“A infância é medida em sons e cheiros e imagens, antes que cresça a escura hora da razão”), escreveu Betjeman. Na verdade, os brinquedos documentam bem o modo como o adulto se posiciona em relação ao mundo da criança – da dessacralização do objeto de culto, passando pela imposição de brinquedos enquanto representações de memórias nostálgicas ou como substituições afetivas, até à re-objetificação do desperdício (o lixo que a criança reabilita enquanto brinquedo) ou aos jogos virtuais. A observação do mundo infantil permite-nos entender melhor o funcionamento dos múltiplos processos de produção cultural. Construindo e vivendo as suas narrativas, em contextos familiares, escolares, comunitários, a criança constrói também o homem que somos em cada brincadeira. A criança, enquanto consumidora de cultura, ocupa uma posição central no atual mercado de consumo dos brinquedos, jogos, livros e filmes, mas enquanto produtora de cultura necessita ainda que lhe seja atribuída a devida importância.
O projeto em construção do fotógrafo Mark Nixon obriga-nos a pensar o objeto manipulado pela criança, e reedifica-o. O fotógrafo tira literalmente o retrato a ursos de peluche, cataloga-os e conta as suas histórias no site Much Loved (e aceita contributos). São retratos com histórias, histórias com e dos animais que nos fazem humanos, para ver e partilhar afetos.
Assim, neste ano, aqui no Cria Cria, fizémos um presépio povoado de brinquedos velhinhos, e pelos ramos da árvore de Natal… trepam ursos de peluche. São velhos, são novos e assim-assim. Lindos.
Paula Pina