A fotografia é de Lothar Wolleh (1930 / 1979). O retratado é o inconfundível René Magritte, nascido há exatamente 114 anos, a 21 de novembro de 1898, na Bélgica. O autor e ilustrador Javier Sáez Castán (nascido em 1964) oferece em cada página do seu maravilhoso “O lanche do Senhor Verde” a possibilidade de apreciar de novo a obra deste pintor, em formato de álbum para crianças. Cada vez mais uma referência no panorama editorial internacional, o discreto e originalíssimo Cástan publicou este “La merienda del Señor Verde” em 2007, logo após o merecido sucesso do livro-jogo “Animalário universal do Professor Revillod” (editado em Portugal em 2009 também com a chancela da Orfeu Negro).
“O lanche do Senhor Verde” será um álbum sobre a descoberta das cores, pleno de detalhes e referências, mas nele importa menos a credibilidade possível da narrativa e mais a possibilidade de nela se encontrarem – e a partir dela se construírem – outras histórias. E, tal como as histórias, o olhar percorre distâncias e chega a outros lugares. Como afirmava Magritte, “num quadro, as palavras são da mesma substância que as imagens”. Também aqui a legenda não explica, antes adensa o enigma, promove a multiplicação, derrogando barreiras linguísticas, oferecendo armadilhas irónicas, brindando o leitor com plurireferências estéticas, dos surrealistas a Michael Foucault, de “Alice no País das Maravilhas” de Lewis Carroll a Jorge Luís Borges e Italo Calvino, convidando o leitor a jogar um dos jogos mais poderosos de todos – o do mistério da representação artística. Este é um livro sobre a importância de olhar, entendendo-se a representação como um jogo do olhar e a realidade como um simples ponto de vista – a realidade não mais do que um espaço de multiplicação, com entradas e saídas diversas.
A maçã verde, os homens de chapéu de coco, a repetição, os espelhos, os lugares e objetos banais, algumas das marcas registadas de Magritte, voltam a denunciar, neste álbum, só aparentemente destinado aos mais pequenos, a traição dos sistemas convencionais de representação. Atente-se, por exemplo, na subversão da noção habitual do glossário, nas deliciosas notas explicativas finais. A palavra e a língua (e todas as línguas, afinal, que aqui interagem) aliam-se às imagens, e revelam, quais chaves mágicas, a quem quiser abrir a porta, que o conhecimento e a arte podem mesmo vencer o preconceito.
“O lanche do Senhor Verde”, de Javier Sáez Castán
Orfeu Negro, 2011
[a partir dos 3 anos]
Paula Pina