Este é o meu livro preferido da Coleção Borboletras (Caminho), cujo único defeito é não ter um único livro mau, nem sequer menos bom ou, vá lá, mais ou menos. Uma pessoa quer criticar e não consegue, é frustrante. Imaginem o Vasco Pulido Valente a escrever 20 crónicas bem-dispostas, de seguida, e ficam com uma ideia da improbabilidade deste conseguimento.
Gosto deste “Cão Rafeiro” por muitas razões, mas a primeira é, com certeza, porque trata de um dos meus valores fundamentais: a ética do cuidar. Já adivinharam, é um livro que fala sobre animais sem dono, sem amigos, sem abrigo. Iguais a muitas pessoas, justamente. Stephen Michael King, autor do texto e da ilustração, faz uma coisa extraordinária, que é colocar animais e pessoas em pé de igualdade – ou melhor, de desigualdade – no cenário de uma grande cidade. Senhoras bem vestidas a passearem os seus caniches e senhoras que procuram comida nos caixotes do lixo. Famílias alegres e famílias a viver debaixo de vãos de escada. Cães aconchegados e cães rafeiros. Tudo isto é feito com arte, subtileza, sensibilidade e o humor possível, perdão, o amor possível.
Quem acha que isto é piroso e não ‘tá com nada, paciência. Os outros, crianças e adultos, vão gostar muito do “Cão Rafeiro”. E, já agora: todos os títulos que encontrem da Coleção Borboletras, comprem ou peçam emprestados, porque um dia vão desaparecer do mercado. É que o “índice do sentimento económico” desconfia de livros de capa mole a 5,99€, é todo cheio de peneiras e prefere acreditar que vivemos num país endinheirado, onde tudo o que é barato não pode ser bom. Tretas.
Carla Maia de Almeida [convidada do Carrossel Cria Cria*]