Escrito em 1886 pelo compositor francês Camille Saint-Saëns, mas divulgado apenas postumamente, o luminoso “Le carnaval des animaux” é uma das alegrias mais completas que a história da música legou às crianças para este período de folia estéril e histérica que invariavelmente atravessa Portugal nesta altura do ano. “The swan” é o penúltimo dos 14 andamentos que compõem “Le carnaval des animaux” e o único que o seu autor permitiu que fosse interpretado enquanto estava vivo, por se tratar do momento singular da suite que, segundo o próprio, estaria formalmente mais sintonizado com o caráter erudito do seu restante corpo de trabalho.
Gravado originalmente na sua obra prima “The art of the theremin” (1977), o cisne de Clara Rockmore (acompanhada com subtil discrição pela pianista Nadia Reisenberg e pela produção imaculada do guru Robert Moog) é possivelmente o mais gracioso e comovente que já ouvimos cantar. Tratando-se da deusa do theremin – possivelmente o único instrumento musical sobre o qual não faz sentido dizer que é “tocado” -, podemos afirmar que só Clara Rockmore poderia fazer “The swan” cantar assim, com a voz alagada de choro do seu instrumento. “The art of the theremin” contém preciosíssimas leituras de peças de Stravinsky (“Berceuse”), Tchaikovsky (“Valse sentimentale”) ou Ravel (“Habanera”), que as crianças a partir dos dez meses irão adorar pelo singelo e tranquilo delírio lúdico que associarão ao som de uma mosca em voos acrobáticos, mas é neste “The swan” que a essência do carnaval de Saint-Saëns se potencia ao máximo. Assim o carnaval tem outra alegria. Outra beleza. Uma beleza literalmente intocável. Uma beleza literalmente intangível.