Daily Archives: October 13, 2011

“Popville”, de Anouck Boisrobert e Louis Rigaud

 

Eis um exemplo de uma história silenciosa. Fugindo ao estereótipo, mais ou menos extravagante, do típico livro pop-up com destinatário infantojuvenil que inunda o mercado, mas inserindo-se ainda na já longa tradição do livro-jogo, a atração mecânica continua presente na fabulosa técnica artesanal do recorte e colagem das formas que se desdobram em cenário tridimensional. Depois do sucesso de “Popville”, a mesma dupla de autores, ambos licenciados em artes decorativas, criou já uma segunda obra (“Dans la forêt du paresseux”, já editado no Brasil com o título “Na floresta do bicho-preguiça”), desta vez sobre um animal singular, a preguiça, que assiste à desflorestação da floresta amazónica.

 

 

Não há palavras ao longo de “Popville”. Não é preciso. Talvez por isso mesmo apeteça tanto ler a história do nascimento e crescimento desta cidade encostando simplesmente o nariz às folhas cartonadas, bebericando o líquido mágico de “Alice no país das maravilhas” e diminuindo de tamanho, para então percorrer as ruas e avenidas, entrando e saído dos edifícios de papel colorido azul, vermelho, amarelo, cinzento. Verdes apenas as árvores e as áreas bordejantes, gradualmente reduzidas ou eliminadas, para depois reaparecerem, estrategicamente reposicionadas em manchas domadas, na última página. Apetece sobrevoar esta cidade, em slides cinematográficos. Apetece povoá-la de brinquedos e seres pequeninos. Apetece começar pelo fim. Desejamos que o livro continue, crescendo, subindo, mais e mais alto, criatura viva concretizada em sólidas e discretas geometrias de arranha-céus, em sofisticadas torres de ficção científica, em elegantes pontes suspensas e em máquinas impossíveis.

Na sua ancestral engenharia de papel, “Popville” parece fácil, no sóbrio retorno à redescoberta da simplicidade do ato de olhar e do gesto que manipula. Mas “Popville” não é fácil. Espantosa metonímia do tempo que passa, a metamorfose opera-se a cada mudança de página, na cidade que cresce. O fundo, esse, permanece. Alguns elementos são perenes, outros são eliminados, outros ainda desaparecem para retornar, mais adiante, e mais tarde, noutros locais.

 

 

O posfácio, de Joy Sorman, pode ler-se como uma apologia, em forma de relato proto-narrativo, descrevendo as fases da construção urbana, e como um panegírico do conceito de comunidade. De facto, “Popville” oferece-nos a história da evolução de uma paisagem urbana, o nascimento e evolução de uma metrópole. Na génese, no centro de tudo, uma igreja de tijolo vermelho, à volta da qual a cidade e todo o livro se desenvolvem. Desse ponto de vista, sublinha-se a dimensão ideológica, religiosa, sagrada ou mítica, da origem da cidade e a sua importância para a história da civilização, especialmente a americana. Todavia, um travo melancólico acompanha as descrições de Sorman, ao passarem-nos pela retina imagens de selváticas construções e grotescos urbanismos. E, daí, talvez possamos pensar um novo urbanismo, mais equilibrado, mais próximo do princípio.

Exemplo de uma dialética entre a mudança e a permanência, entre a expetativa e a imprevisibilidade, entre a simplicidade e a sofisticação, “Popville” ultrapassa os limites de uma catalogação restritiva, de um âmbito único, de um destinatário previsível ou canónico. É para crianças e é para adultos. É para brincar e é para pensar. É uma homenagem à história do urbanismo e é um aviso ecológico e cívico para as gerações que hoje folheiam, com gestos hesitantes ainda, as suas páginas.

 

livro “Popville”, de Anouck Boisrobert e Louis Rigaud
Bruaá, 2010
[a partir dos 3 anos]

 

Paula Pina

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