“Um momento, por favor, o telefone está a tocar.”
É assim que termina o texto de apresentação que Bruno Munari escreveu em 1956, para a primeira edição do livro “Na noite escura”, e que figura no final misterioso quadrado/retângulo amarelo. Quem já passou pela experiência de ser entrevistado por uma criança, reconhecerá nesta nota biográfica as respostas às perguntas inesperadas, tão simples e tão óbvias.
“Quando e onde nasceste? Em Milão, Itália, em 1907.
Quanto medes e quanto pesas? Meço 1,60 metros e peso pouco mais de 50 quilos.
Tens irmãos? O meu irmão Giordano, que se casou com a Ester, que é irmã da minha mulher.
Tens filhos? Tenho um filho, o Alberto, que vive em Genebra e me telefona bastantes vezes dando notícias.
(…)”
De súbito também, deixamos as respostas às perguntas da criança e entramos diretamente na rotina de um dia com Munari: estamos com ele no ateliê ou na varanda, a sua mulher põe um bom disco e conversa um pouco, na sala ao lado o seu irmão Giordano telefona à mulher, o porteiro entra com um telegrama (ainda existem?),…
Eis a autobiografia artística do arquiteto, do designer, do escritor, do ilustrador, do construtor de fontes e mobiles de plástico, do professor, do investigador, do teórico, do pioneiro, do Prémio Hans Christian Andersen em 1974. O “Peter Pan do design italiano”, como lhe chamou Pière Restany, foi mais do que um menino que não queria crescer: graças a ele e aos seus projetos gráficos, aos seus “livros ilegíveis”, a ilustração tornou-se algo mais do que desenhos bonitinhos que acompanham um texto.
Arrepiem-se os que estão convencidos de que as crianças só gostam de cores vivas e brilhantes e de historietas de princesas ou dragões. “Na noite escura” há silhuetas a azul escuro em fundo negro e bocadinhos de texto, que surgem e desaparecem. “Na noite escura” há folhas furadas e esburacadas e técnicas de impressão diversas. “Na noite escura” há texturas, materiais (cartolina, papel vegetal, papel pardo, papel de lustro…), desenhos, e vozes (ora em narrador, distante, ora descrevendo, ora interrogando, ora em balões de banda desenhada) acompanhando um percurso (por diferentes espaços, ambientes e tempos) de descoberta multisensorial. Incoerência? Ilegibilidade? Não. Variedade, desafio. Sim, há um gato (mais até) de olhar “pirilampiscado” que busca. Um pirilampo (muitos) e a noite que se torna dia com caracóis, gafanhotos, escaravelhos, formigas, um pássaro morto. Manual de estudo de insectos? Aula sobre pré-história e espeleologia? Quem conversa com quem? Quem descobre o quê? Formiga, gato? Gruta ou buraco?
(…)
Um momento, por favor, o telefone está a tocar (seria tão bom que fosse Bruno Munari dizendo “pronto!…” do outro lado do fio).
Munari (1907-1998) mudou a história da ilustração e muda-nos ainda, sempre que nos sentamos e nos preparamos para redescobrir o que há “Na noite escura”.
livro “Na noite escura”, de Bruno Munari
Bruaá, 2011
[a partir dos 8 anos]
Paula Pina