Sazonalmente, convidaremos um ilustrador com obra particularmente louvável na área infanto-juvenil para rever o essencial do seu trabalho publicado até à atualidade. Uma vez por semana, esse criador responderá a uma pergunta do Cria Cria e, em paralelo, selecionará e comentará uma ilustração do seu espólio que, por um motivo ou por outro, queira destacar.
Para inaugurar este ciclo e trazer um pouco do seu refrescante estilo a este verão de 2011, temos Marta Madureira, autora com dezenas de livros publicados e ilustrações espalhadas por diversas revistas (esteve connosco na Op. desde a edição #6, no início de 2002, p.ex.) e outros suportes. Dona de uma marca formal inconfundível (apesar das descaradas imitações que pontualmente vão surgindo na área…), Marta Madureira tem cerca de uma década de trabalho que merece toda a nossa admiração e carinho. Um corpo de trabalho para conhecer melhor aqui no blogue ao longo desta estação…
Cria Cria: Sente o seu cérebro crescer quando está a desenhar ou quando está a criar alguma coisa?
Marta Madureira: Sim. Quando ilustro, quando vejo, quando ouço, quando faço seja o que for. Em conversa com a ilustradora Teresa Lima, ela dizia-me que o que lhe agrada no trabalho de ilustração é o facto de ter um tema. Concordo. Uma das grandes vantagens é que não somos nós a procurar o assunto. O assunto é-nos dado. Isso à partida abre um leque de objetos muito mais vasto, muito para além do meu círculo de interesses pessoais. Na maior parte dos casos, esses assuntos que não são meus são semi-desconhecidos ou até mesmo desconhecidos, são diversos e são vastos. Para ilustrar sobre eles tenho que os procurar, o que me torna, automaticamente, recetiva ao conhecimento. No trabalho de ilustração, a parte da pesquisa, a procura do “mais” sobre o assunto, é fundamental. Quanto mais souber sobre o tema, mais variadas serão as perspetivas que tenho dele, e mais eficaz será, de todos os pontos de vista, a sua solução imagética. Tendo como base este pressuposto, que acredito e experiencio vivamente, muito tenho crescido desde que comecei a ilustrar, onde cada projeto é pretexto. A título de exemplo, não posso deixar de referir os trabalhos que fiz para a Op., com os quais ouvi Tom Zé ou li Enrique Vila-Matas e Hannah Arendt. A diversidade de assuntos é mais do que bem vinda, e a procura dos mesmos é um processo que, além de necessário, é frutífero. Nunca experimentei ilustrar segunda vez o mesmo assunto em momentos diferentes. Mas seria uma forma interessante de medir o meu crescimento.
ilustrações originalmente publicadas no livro “O menino Jesus da Cartolinha” (Campo das Letras, 2006)
Marta Madureira: Estas ilustrações são mais uma resposta à pergunta. Pertencem ao livro “O menino Jesus da Cartolinha”, de 2006. Com este trabalho percebi a importância de crescer no assunto. Foi também o livro que me juntou pela primeira vez à escrita (essa escrita cheia de raça) do Vergílio Alberto Vieira. Quando li o texto, em verso e com alusões diretas a sítios e histórias, não soube por onde começar. Pouco consegui encontrar sobre o assunto e o que havia na internet era vago e quase sem referências visuais. Precisava de saber mais. E, num dia de final de verão, fui ao encontro desse menino, rumo a Miranda do Douro. Vim com muitas imagens. De pessoas, de talha dourada, de santos, de paisagem, de comida e de sensações. Muitas delas viriam a servir de base gráfica para as personagens do livro. O brinco da velha, por exemplo, ou o cajado do Constantim, são recortes de fotografias que trouxe de Miranda. Ainda hoje percebo a forma deste livro como um reflexo da minha vivência no local. O conjunto de um processo criativo e pessoal, com um outro, de entendimento do assunto. Só assim foi possível traduzir visualmente a velha vidente, idosa e amarrotada pela “vantagem” da idade.