Com a abertura oficial do verão, que hoje se celebra mais ou menos por todo o hemisfério norte, celebramos igualmente a abertura de um novo espaço regular nas páginas virtuais desta nossa Cria que Cria: sazonalmente, convidaremos um ilustrador com obra particularmente louvável na área infanto-juvenil para rever o essencial do seu trabalho publicado até à atualidade. Uma vez por semana, esse criador responderá a uma pergunta do Cria Cria e, em paralelo, selecionará e comentará uma ilustração do seu espólio que, por um motivo ou por outro, queira destacar.
Para inaugurar este ciclo e trazer um pouco do seu refrescante estilo a este verão de 2011, teremos Marta Madureira, autora com dezenas de livros publicados e ilustrações espalhadas por diversas revistas (esteve connosco na Op. desde a edição #6, no início de 2002, p.ex.) e outros suportes. Dona de uma marca formal inconfundível (apesar das descaradas imitações que pontualmente vão surgindo na área…), Marta Madureira tem cerca de uma década de trabalho que merece toda a nossa admiração e carinho. Um corpo de trabalho para conhecer melhor aqui no blogue ao longo desta estação…
Cria Cria: Como (e quando) é que surgiu o desenho na sua vida? E como (e quando) é que o desenho começou a “transformar-se” em ilustração?
Marta Madureira: Desde que me lembro. O meu pai é ilustrador. Trabalhava para a Porto Editora e fazia as ilustrações dos manuais escolares. Lembro-me de acompanhar o trabalho dele em casa, no meio dos desenhos em esquisso e, depois, na escola, muito vaidosamente, os mostrar aos amigos, já impresso nos livros. Desde logo defini belas artes ou pintura como objectivo, penso que com forte influência do ambiente que vivia em casa. Quando entrei para o curso de pintura fui percebendo, ao longo dos primeiros anos, que aquela não era a minha vocação. E a convivência com os outros cursos de belas artes fez-me perceber que design de comunicação talvez fosse o caminho. Assim, depois de três anos, resolvi mudar de curso. E o que eu pensava que iria ser um mudar de direção foi um convergir. Foi nesse primeiro ano que descobri a ilustração e percebi os seus mecanismos, que passam pelo desenho, mas também pela comunicação visual. O conceito de “desenho”, por exemplo, é tão vasto quantas as suas possibilidades de registo. Qualquer material que permita o registo de algo num qualquer suporte, pode ser desenho. Estou-me a lembrar de autores como Erik Nordenankar que construiu o “The biggest draw in the world” através de GPS, ou como Mark Khaisman (www.khaismanstudio.com) que desenvolveu uma técnica de desenho realista através de fita-cola, só para enumerar alguns nomes onde o conceito de desenho é trabalhado a níveis muito pouco convencionais. Mas não deixam, no entanto, de ser desenho. E depois há o conceito. Uma ilustração não deve nunca viver subjugada ao texto. Deve completá-lo e ajudar nessa fascinante tarefa de contar uma história. Com letras, mas também com imagens e metáforas visuais.
ilustração originalmente publicada no livro “Canção dos dias por vir” (Edições Eterogémeas, 2002)
Marta Madureira: A primeira imagem, a imagem para iniciar este ciclo seria sempre uma escolha difícil. Há uma primeira tentação: querer mostrar logo tudo. Mas a ilustração que escolhi não o mostra, nem me identifica (ou já identifica muito pouco). É no entanto uma imagem à qual não posso fugir. Marca o meu ponto de partida e pertence ao meu primeiro livro editado, “Canção dos dias por vir”, pelas Edições Eterogémeas (www.eterogemeas.com), em 2002, pelas mãos do professor, ilustrador e amigo Gémeo Luís (www.gemeoluis.com). Um facto curioso: a metodologia deste primeiro trabalho foi inversa ao normal. Primeiro criei a sequência de imagens e posteriormente surgiu o texto, por Ana Roiz (José António Gomes). Temos então, como se deseja, duas histórias. A do ilustrador e a do escritor.